Meu acidente de moto: o que aconteceu, impunidade, sistema de saúde, sorte e hipocrisia

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Meu acidente de moto

Pena que não consigo lembrar do meu voo estilo Super-Homem. Se tem alguma coisa boa de sofrer um acidente sério de moto é esse voo. Aquele momento do impacto, que te joga no ar, pra frente, por alguns segundos.

Foi tudo muito rápido, não lembro do voo. Só lembro de me levantar e olhar pra trás, apavorado, para saber como estava a patroa.


O que aconteceu?


Tinha ido na casa de um amigo bater um papo e estava voltando para casa. Era um domingo, 10 e pouco da noite, enquanto eu transitava por uma avenida dessas largas, em que a galera toda anda rápido. Costumo dizer que dirijo como um velho, quase 100% do tempo na defensiva e evitando correr qualquer risco. Como sempre, eu estava a uns 75 km por hora, mais ou menos, quase no limite de velocidade da via. Muitos carros me ultrapassavam, acima do limite de velocidade, o que é normal naquele trecho devido à falta de fiscalização eletrônica. Estava na pista do meio quando senti algo se aproximando muito mais rápido do que o comum. Olhei no meu retrovisor esquerdo e vi 2 carros voando, colados um no outro, me passando pela pista da esquerda.

Logo pensei em quão babacas eram, fazendo um pega em uma avenida movimentada daquelas. Se eu estava a quase 80 km por hora, eles deveriam estar a uns 140, 160. Colados um no outro, quase tocando. Que babaquice. Antes que eu pudesse concluir meu pensamento, senti a porrada.

Isso é tudo que lembro antes do acidente. Um terceiro carro, provavelmente amiguinho dos outros 2, me atingiu com tudo por trás. Bateu na minha moto e jogou eu e a patroa longe. Covarde, foi embora. Deixou 2 corpos no asfalto e me pergunto se o cara se pergunta se matou alguém naquele dia. Como será que dormiu a noite?

Lembro de levantar rápido e apavorado, o que já foi um ótimo sinal. O acidente foi pesado, numa via movimentada. Se me levantei, é porque não morri. É porque não quebrei a perna ou machuquei a coluna. Mas e a patroa? Eu não sabia. Não tive tempo para pensar, meu instinto foi procurar ela o mais rápido possível. Ela tinha voado menos que eu, estava atrás de mim.

Encontrei ela de pé. Incrédulos com o que tinha acontecido, fomos para o acostamento e sentamos num gramado por ali, quando minha moto, ainda caída na pista do meio da estrada, começou a pegar fogo.

Um rapaz saiu de um carro com um extintor de incêndio mas ficou na dúvida: vou ou não vou? Com o tanque vazando gasolina, ele teve medo que a moto explodisse e não chegou perto. Logo depois outro cara apareceu com um extintor. Esse veio muito mais decidido. Correndo, foi direto para a moto e apagou o fogo. Ela não queimou toda, mas a chama na parte traseira estava aumentando. O cara ainda foi gente finíssima: levantou a moto e levou ela até o canteiro. Também catou a caixinha da moto, que tinha soltado no acidente, e botou perto da gente.

Vários carros tinham parado para nos ajudar. Umas meninas, apavoradas, chamaram o SAMU. Um cara se aproximou e veio, querendo parecer confiável, dizendo que era pastor de igreja. Disse que tinha uma mecânica e que poderia levar a moto para lá. Agradeci e perguntei se ele poderia levar a moto até a minha casa. Desconversou e foi embora, não antes de dizer que estávamos bem e que não deveríamos chamar o SAMU, já que poderíamos estar tirando o atendimento de alguém com um problema mais grave. Tínhamos acabado de sofrer um acidente de moto seríssimo, de quicar e voar no meio de uma estrada movimentada. Estávamos cobertos em ferida e com sangue nas roupas, mas o pastor achou que essa foi a melhor forma de ajuda. Até nas piores horas, sempre vai ter alguém querendo tirar proveito de você.


Sorte

Não sei como descrever em texto a gravidade do acidente. Foi grave. O cara me pegou com tudo, me jogou longe. Poderíamos ter morrido. Poderíamos ter tido traumas severos na coluna, ou ao menos quebrado uma perna. Outros carros vindo atrás poderiam ter passado por cima da gente. Mas nada disso aconteceu.

Entre amigos, família, médicos e paramédicos, houve um consenso: demos MUITA sorte.

Eu tive machucados leves nas mãos, pés, cotovelos, ombros. E um puta rombo nas costas.

Meu acidente de moto - machucado
7 dias depois do acidente de moto, machucado já bem mais bonito. Antes estava em carne viva.

A patroa teve machucados maiores nos dois joelhos, na coxa, na panturrilha. Tiramos várias radiografias, mas não quebramos nada. Sorte.

Ainda não sei em que estado se encontra a minha moto. Amigos foram ao lugar do acidente e levaram ela embora, mas estimo que vou gastar uma bela grana para consertar - ou ao menos vou vender as peças por uma fração do que ela valia inteirinha.


Vou voltar a andar de moto?

Essa é uma pergunta que muitos me fizeram. Ainda não sei.

Acontece que o problema não foi a moto em si. "Na moto, você é o parachoque", dizem. Mas foi um acidente. Um imbecil aleatório correndo a mil. Dei o azar de estar na hora errada, no lugar errado. Ao invés de me acertar, ele poderia ter dado de cara em um poste, ou atropelado um pedestre, ou batido em outro carro. Foi algo circunstancial. A moto não foi a causa do acidente, ainda que eu tenha me machucado mais pela falta de proteção que ela oferece.

Tenho um amigo que já quase morreu dirigindo carro, mas nem por isso parou de dirigir. Moto tem um perigo além dos outros meios de transporte, mas ela não foi a culpada. Até porque a culpa dos machucados em parte é minha. Deixei a patroa ir de carona usando sandália e saia, por isso ela se machucou tanto. Se estivesse de tênis e calça jeans, ao menos, não teria tido lesões tão graves. Eu estava de casaco, mas um desses fininhos. Venho há meses postergando a compra daquelas jaquetas de moto mesmo, com material mais forte e com proteções na coluna, ombros e cotovelos. Estivesse usando uma dessas, provavelmente teria saído quase ileso do acidente.

Mas não, achei que a jaqueta era muito cara e preferi me arriscar diariamente. Falar isso depois do acidente é fácil, mas se pudesse voltar no tempo tinha trocado dinheiro por segurança. Teria comprado uma jaqueta dessas fodonas para mim e convencido a patroa a comprar uma para ela.

Meu acidente de moto cg
Batida entortou minha placa. Esse branco é o pó do extintor de incêndio.

A culpa do acidente de moto foi do cara que bateu em mim e fugiu. A culpa dos machucados em parte é minha. A moto, coitada, não pode ser culpada. Para desespero da minha mãe e fúria do meu pai, é provável que eu volte a andar de moto sim, por que não?


Sistema de saúde

O SAMU demorou. Demorou pra caralho. Demorou tanto que eu e a patroa, apavorados e machucados no canteiro da avenida, resolvemos ligar pros bombeiros. Os bombeiros vieram rápido, em 5 ou 10 minutos. Nos atenderam bem e nos levaram para a emergência do hospital.

Lá ninguém esperava um tratamento de primeira. Claro que não havia leito para a gente, por exemplo, mas fomos muito bem atendidos. Ficamos no corredor e fomos avaliados, curativados, radiografados, medicados e liberados. Na medida do possível, tudo foi muito bom e rápido.

Alguns dias após o acidente fomos ao posto de saúde verificar como estavam meus machucados. O atendimento foi de primeira. Não demorou nem 10 minutos até eu ser avaliado por um médico, que indicou uma mudança na forma como eu estava tratando os ferimentos. Trocaram meu curativo e saí de lá com uma sacola cheia de gazes, faixas, soro e óleo com ácidos graxos essenciais.

Recentemente um conhecido também caiu de moto e quebrou a tíbia. Precisando de um tratamento muito mais sério que o nosso, com direito a internação de 10 dias e 2 cirurgias, também considerou o atendimento excelente.

O sistema de saúde do país tem muito a melhorar? Sim. Tem gente morrendo nos hospitais por falta de atendimento? Sim. Mas ao menos aqui em Floripa, está muito, mas muito longe de ser ruim. E É DE GRAÇA! Vejo que muita gente não valoriza isso como se deveria. Sempre dou um exemplo que vivi de perto:

Os Estados Unidos são um país de primeiro mundo, aclamado por muitos brasileiros que sonham em morar lá. Pois bem. Quando morei por lá, um amigo encheu os cornos de bebida e precisou ir para o hospital tomar aquela famosa injeção de glicose. Na saída veio a conta. Pasmem: uma voltinha de ambulância até o hospital, uma injeção de glicose e mais meia hora de soro saíram pela bagatela de QUATRO MIL DÓLARES.

Sim, quatro mil dólares.

Parece brincadeira, mas infelizmente não é. Se você tem interesse em saber mais sobre o sistema de saúde de lá, recomendo o ótimo documentário Sicko, que mostra um caso, por exemplo, de um homem que chegou ao hospital sem 2 dedos e só tinha dinheiro para costurar 1 deles no lugar - e o hospital, sem receber pelos 2, costurou só 1 mesmo.


Impunidade

Não há câmeras de segurança na via onde me acidentei. Uns 2 km antes do local do acidente tem um túnel. Dentro do túnel tem 10 câmeras. 8 delas tem a imagem ridícula, pior que a filmagem de um celular antigo. A qualidade é tão ruim que eu sequer consegui reconhecer qual moto passando era eu. Nas outras 2 câmeras a imagem é boa, mas inconclusiva. É tão longe do acidente que não dá pra ter uma ideia real de qual dos carros passando foi o que bateu em mim.

Depois do local do acidente também tem uma câmera, mas é tão ruim quanto as do túnel e também fica a uns 2 km de onde caímos. Perto do local do acidente tem mato de um lado, estrada e mato do outro. Os prédios e comércios mais próximos ficam longe, de modo que nenhuma de suas câmeras de segurança poderiam nos ajudar.

As testemunhas que pararam para nos ajudar na hora do acidente não conseguiram anotar o placa do carro. No calor do momento e apavorado, acabei não lembrando de pegar o contato de nenhuma delas. Tentamos encontrar alguma das testemunhas pelo Facebook, mas sem sucesso.

Assim, muito provavelmente quem fez isso comigo sairá impune. Causou um acidente numa área própria para isso, já que não possui policiamento ou câmeras, e fugiu. Tentamos de tudo, mas não tem como identificar quem foi. Se a delegada pegar nosso boletim de ocorrência e resolver abrir um inquérito policial, talvez algo aconteça. Talvez as polícias trabalhem juntas e procurem outras formas de investigar. Talvez cruzem todas as placas dos carros que passaram no túnel depois de mim com todos os carros que tomaram multa por velocidade excessiva naquele horário em algum trecho depois do acidente. Mas é improvável. Não é assim que funciona. Muito pelo contrário.

É assim que funciona: a delegada estava viajando quando abrimos o BO. Isso significa que não havia ninguém com autoridade para analisar os boletins e decidir sobre a abertura ou não de inquéritos policiais. A maioria das câmeras só registra as imagens por uma semana ou 10 dias, apagando os vídeos antigos para dar lugar a novas filmagens. Por isso, tivemos que correr atrás das filmagens por conta própria. Fôssemos depender da delegada, provavelmente sequer conseguiríamos aquelas imagens do túnel - até ela voltar, analisar a pilha de BOs na sua mesa e dar encaminhamento a cada um deles, certamente teriam passado mais de 10 dias.

Quando paro para pensar no que esse cara poderia ter feito com a gente, choro. Choro pois ele poderia ter tirado a patroa de mim, poderia ter me deixado numa cadeira de rodas. O sentimento de não poder fazer nada, de saber que o cara está por aí solto, é uma merda. Me sinto de mãos atadas. Sinto como se só a justiça com as próprias mãos pudesse resolver, já que depender de uma investigação policial neste caso é o mesmo que depender de um pedido para uma estrela cadente.

Quem fez isso comigo pode ser um babaca de primeira linha. Pode ser um bandido. Pode já ter machucado outras pessoas, talvez até se gabe de ter derrubado mais um motoqueiro. Mas prefiro pensar diferente. Gosto de acreditar que era uma pessoa jovem que tirou carteira de motorista há pouco e estava curtindo a sensação de pilotar uma máquina. Foi imprudente e fez uma merda gigante. Fugiu pelo instinto, sabendo que continuar acelerando era a saída mais fácil para um problema difícil. Mas talvez não durma à noite. Talvez passe o resto da vida sem saber se matou 2 pessoas ou não. E talvez tenha aprendido, desde cedo, sua lição. Talvez agora corra menos, não dirija bêbado, não arrisque vidas. Espero que seja por aí.


Hipocrisia

O que fizeram conosco é um absurdo, mas é muito fácil ser hipócrita nesta hora, demonizar quem me derrubou e desejar algo de ruim para ele. Quantos já não dirigiram sob o efeito de álcool? Quantos já não passaram limites de velocidade? Creio que este é um bom momento para todos nós refletirmos e analisarmos: o que podemos fazer para diminuir os riscos de causar acidentes?


Vida que segue

Não vou mentir, minha última semana foi uma merda. Não consegui dormir direito e qualquer movimento doía minhas costas. Não gosto de tomar remédio mas passei os últimos 10 dias entorpecido com analgésicos. Um mal estar geral também contribuiu para que eu fizesse pouquíssimas coisas produtivas. Fiquei longe da patroa e senti saudades. O acidente foi horrível, mas já passou. As feridas físicas estão curando. As mentais pretendo curar. Odiar quem fez isso comigo e guardar remorso para o resto da vida não vai mudar o que aconteceu. Como disse nesse post aqui, o passado nos serve como aprendizado, só. Não dá pra ficar olhando para trás. É me proteger mais, caso volte a andar de moto, e bola pra frente.

Pode parecer clichêzão de filme de hollywood, mas realmente poderia ter perdido minha vida ou ficado numa cadeira de rodas. Por isso, acredito mais do que nunca que não há tempo a perder. Esses dias tava deitado de bruços na cama, sofrendo com a dor nas costas, e pensei que deveria ir para a Tailândia curtir a vida assim que me curasse. Por que não? Imagina só ir embora desse mundo sem fazer as coisas que quero...

Vou é começar a planejar meu próximo passo.










6 comentários:

  1. "E É DE GRAÇA!" De graça uma ova..

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    1. Poderia ter me expressado melhor, mas "de graça" sendo "não se paga nenhuma conta na entrada ou saída do hospital, não importando quantas vezes você foi atendido nem o tipo do atendimento".

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  2. Vou procurar esse documentário, estou meio na onda de ver documentários xP

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    1. Procura sim! Ele já tem quase 10 anos, mas creio que continua atual. É muito bom.

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  3. Ô Pedro, tudo de bom pra vocês dois! Boa recuperação. Que loucura.

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    1. Estamos bem melhor, muito obrigado pela força Raquel!

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