30 dias sem beber — minha experiência com detalhes

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Recentemente meti o pé na jaca e bebi todos os dias por quase um mês. Junto, me dei o prazer de comer tudo que queria: pastel, pizza, cachorro-quente, todos os tipos de frituras e guloseimas.

Mas resolvi fazer uma espécie de desintoxicação e cortar tudo isso por 30 dias.

O relato a seguir mostra como foi essa curta caminhada e como no final saí bem melhor.

Foto: Pexels.

Não me considero um alcoólatra. Não. Mas gosto muito de uma cervejinha e assim com os anos fui me transformando numa pessoa que flerta sempre com a ideia de tomar uma latinha ao final de cada dia.

Tive momentos de mais controle, em que defini pra mim mesmo que beberia só sextas e sábados, e momentos onde praticamente todos os dias dava uma bicada num suco de cevada.

Além do sabor da cerveja e do grau que ela dá, um fator que me colocou neste caminho foi a auto-recompensa. É aquele desejo que dá de comer alguma besteira, beber ou fazer alguma bobagem como contrapartida por você ter trabalhado o dia inteiro, se esforçado ou algo do gênero. Depois de um dia estressante e cansativo, nada melhor do que abrir uma cervejinha gelada, né?

Pois bem, estava eu com minhas cervejinhas até bem controladas quando fui visitar família e amigos no Brasil. Passei pouco mais de 20 dias e bebi em todos eles. Ou praticamente todos: se der pra pensar em uns 2 sem bebida, é muito. Cada encontro com meu pai, cervejinha ou vinho. Cada encontro com amigos? Numa festinha ou num buteco. Almoço na casa de beltrana? Compraram uma cerveja de aperitivo.

E assim passei cerca de 3 semanas bebendo diariamente, às vezes quantidades consideráveis.

Antes de ir para o Brasil eu já tinha voltado a me exercitar e a deixar as latinhas apenas para sextas e sábados. Lá no Brasa estava de férias e férias, como diz um grande amigo meu, "não tem regras". Mas na volta pra casa, na Espanha, decidi fazer um experimento e tirar a bebida da minha vida por 30 dias.

Por que não beber?

Imagino que pra quem não bebe, a frase em negrito no parágrafo anterior não pareça nada demais. Talvez você naturalmente passe longos períodos sem beber. Ou talvez seja como um outro amigo meu, que simplesmente não gosta de bebida e não bebe.

Imagino que pra quem bebe muito, a frase pareça impossível. Talvez o cara que toma umas 3 garrafas de pão líquido por dia está feliz e simplesmente não entenda como é possível ficar 30 dias sem.

Minha situação não é nem tanto pra lá, nem tanto pra cá. Mas coloquei o desafio pra mim mesmo, com direito a controle diário num quadro branco e tudo. A cada dia sem beber, marcava um quadradinho. A meta: 30 quadradinhos. (Minha esposa viu isso e comparou com aqueles filmes em que o presidiário fica marcando os dias na parede).

Quadro branco no 30º dia.

Como já ia fazer uma concessão e ficar sem o maravilhoso líquido dourado por 30 dias - e sem todos os seus comparsas - resolvi ir além.

No Brasil tive contato próximo com minha irmã mais nova, de 20 e poucos anos, que tem uma alimentação exemplar. Ela ingere pouco carboidrato, evita trigo, foge de qualquer besteira açucarada e chega a pesar alguns alimentos antes de preparar, pra comer na medida certa. Quando voltei do Brasil, resolvi seguir mais ou menos a linha dela. Durante os 30 dias sem bebida, eu também comeria basicamente vegetais, cortando o máximo possível trigo, carboidratos vazios como arroz branco, besteiras, açúcar, frituras e superprocessados.

E hoje eu chego no meu 30º dia.

3 primeiros dias

O 1º dia foi fácil. Empolgado, não tive muitas dificuldades pra não beber nada. Orgulhoso dos meus planos, pedi um rango padrão chinês, com arroz e muitos vegetais. Eu tinha voltado de viagem e a geladeira estava vazia, então tive que pedir no delivery local. Sorte que os chineses, ao contrário da cultura brasileira, têm os vegetais muitíssimo bem integrados na sua alimentação. Comem em quantidade e variedade. Mas nesse dia comi bastante arroz branco e uma berinjela que vinha ensopada no óleo. De qualquer maneira, não era nenhuma porcaria e eu estava apenas começando, então foi tranquilo.

Mais sobre minha experiência morando na China aqui.
Pra comer melhor, precisava encher a geladeira. Fui no supermercado logo cedo no 2º dia e fiz uma compra como poucas vezes na minha vida: praticamente todos alimentos frescos. Os poucos industrializados também eram vegetais e evitei qualquer porcaria que não me fizesse bem. E assim minha geladeira ficou linda, colorida, cheia de vida.

Péssima foto, mas tá aí a maior parte das minhas compras.

Eu comprei um negócio que os espanhóis tomam chamado gazpacho. É uma bebida bem tradicional que, como alguns seguidores apontaram, é como se fosse uma salada líquida. Tomate, cebola, pepino, pimentão e outras coisas do tipo batidos no formato de um suco cremoso. Eles tomam isso como sopa, mas também frio como um suco mesmo. É algo que certamente daria pra esquentar e jogar em cima de um macarrão como molho de tomate. Mas fiz como os espanhóis e bebi de guti-guti no copo. Me parece uma bebida maravilhosa pra saúde porque é literalmente como tomar uma salada. 
Só que isso já era um sábado. O jet lag já tinha passado, eu já tinha organizado as minhas coisas, a euforia tinha acabado. E era sábado. Sábado é dia de comer porcaria e beber cerveja. Ou pelo menos era na minha cultura de final de semana. Então nesse dia tive bastante vontade de tomar uma.

Acredito que a força de vontade de não tomar uma gela, ou de se restringir de outros comportamentos maléficos, vem de dentro. Mas algumas coisas podem ajudar muito. Por exemplo: não ter cerveja na geladeira (e se possível nem em casa) coloca uma barreira desgraçada na sua frente. Se tem uma latinha ali, geladinha, grintando pra ser tomada, pode ser que o indivíduo falhe. Afinal, é só estender a mão pra encontrar o que quer. Mas se pra sair da linha o cara tiver que arrumar o cabelo, botar uma roupa, pegar as coisas e ir até um supermercado, isso já faz o cidadão pensar umas 10 vezes antes de fazer merda.

Por isso me preparei antes: não tinha cerveja em casa. E assim não tomei pelo segundo dia, em pleno final de semana. Antes disso, provavelmente devo ter tomado cerveja em todos os finais de semana dos últimos sei lá, 2 anos no mínimo.

O dia 3 já era um domingo. Domingo normalmente não é dia de beber, ao menos na minha rotina de final de semana, então pensei que seria mais tranquilo. Só que domingo pra mim, ao contrário de quase o mundo todo, é dia de trabalhar muito. É o dia em que adianto a gravação de vídeos pros meus canais no YouTube. Geralmente trabalho da hora que acordo até a hora de ir dormir. E muito trabalho gera estresse, cansaço e... aquela vontadezinha de se recompensar pelo trabalho feito. A vontade veio e pensei em como lidar com ela.

Tempos atrás, fiz esse mesmo tipo de experimento com café. Café é aquela droguinha lícita, leve, que causa vício em meio planeta e ninguém discute. É normal. Eu sou apenas mais um com o sangue preto da cor de café de tanto beber esse líquido maravilhoso. E em alguns momentos da minha vida isso também saiu de controle. O pobre e inofensivo café começou a me dar problemas gastrointestinais, além de dificuldades pra dormir e até palpitação, quando você ingere tanta cafeína que seu coração acelera e suas mãos ficam tremendo. Então saiba, leitor, que já tenho experiência com esses 30 dias de abstinência, só que com café e mais de uma vez. E numa dessas experiências, algo que me ajudou muito foi a substituição. Eu gosto de sempre estar bebendo alguma coisa e até acho que tenho algum grau de polidipsia, um distúrbio que faz a pessoa querer ingerir líquidos a toda hora. Então trocando café por chá, a camomila me ajudou muito a esquecer da cafeína. E passei a fazer o mesmo pra controlar a vontade de tomar cerveja: um cházinho no lugar. Funcionou.

1ª semana útil

Acordei no 4º dia e fui logo pro meu quadro branco marcar mais um ✔, já vislumbrando o dia em que o quadro estaria todo completo. Nesse período eu estava trabalhando muito, tirando o atraso dos meus 20 dias de viagem e botando as coisas em ordem. Mas mesmo assim decidi que junto com esse mês sem beber e me alimentando bem, também voltaria a me exercitar todos os dias de semana. Isso é algo que eu vinha fazendo antes da viagem, mas que no Brasil se perdeu completamente por motivos de "férias não tem regras".


O exercício é mal compreendido por muita gente. As pessoas encaram como uma forma de perder peso, de melhorar o corpo e se manter saudável, mas pouco se fala do incrível impulso mental que o exercício dá. Quando corremos, malhamos ou fazemos algum esporte, nosso corpo libera endorfina, que nos deixa mais felizes, mais motivados e até mais energizados - o que parece um contrasenso já que acabamos de gastar energia. Tenho conviccção de que exercício regular ajuda muito a pessoa a ser feliz. Mas outra coisa que o exercício faz é puxar um fio de bons hábitos. Se você foge de uma alimentação saudável um dia pra comer uma besteira, é provável que seu controle sobre a alimentação acabe se perdendo de algum jeito. Se você anda com pessoas que só comem besteira, fica mais difícil não comer besteira. Hábitos ruins puxam hábitos ruins, mas os bons também trazem outros bons. O exercício, pra mim, traz todos esses benefícios e um a mais: depois de gastar energia eu raramente tenho vontade de comer porcaria.

Não sei se são os sinais que o corpo manda ou o quê, mas cada vez que saio pra correr, na volta tenho vontade de comer uma cenoura crua, uma vitamina de banana, uma salada ou algo tipo arroz com feijão, mas nunca salgadinho, frituras ou um drink. O corpo é uma máquina quase perfeita e no pós-exercício, é nosso melhor amigo.

A partir daquela segunda-feira, durante minha primeira semana útil sem álcool, minha mente se dividiria entre a vontade de tomar umazinha depois de um dia estressante e a vontade de tomar um suco ou só agua depois de uma sessão de exercícios. Essa guerra mental durou alguns dias, mas gradualmente a minha parte mais racional foi vencendo e o desejo de tomar umazinha foi se esvaindo.

O final de semana veio. Normalmente pra mim um domingo é igual uma terça que é igual uma sexta. Eu sempre trabalho todos os dias, praticamente o dia inteiro. Nesse fim de semana então não foi complicado esquecer que sexta e sábado são dias de cervejinha. Encarei esses dias como qualquer outro e a vontade, muitas vezes ajudada por um cházinho de camomila, passou. Senti que meu corpo estava se desintoxicando mentalmente do apego ao álcool. 

É tudo hábito

Quando fiz meus experimentos de períodos sem tomar café, inevitavelmente cheguei à conclusão de que muito daquilo é hábito. Por diversos motivos diferentes, hábitos são poderosos e alguns difíceis de largar. "Old habits die hard", dizem os estadounidenses. Quando você consegue quebrar um mau hábito em pedacinhos, ele perde sua força e você recupera a sua autonomia. Com o café foi assim: aquele líquido que ingeri diariamente por anos, que eu me considerava tão viciado (e sou) na verdade nem era tão viciante assim, o que pegava era o hábito. Quebrando o hábito, ou substituindo pelo do cházinho, tudo se resolveu.

Eventualmente voltei a tomar café porque gosto muito, foi uma escolha, assim como sei que depois desse período sem álcool eu voltarei a beber, também como escolha consciente. Mas a cada dia marcado no meu quadro branco, fui percebendo que os diversos mecanismos mentais que me falavam pra beber foram se desfazendo. O anoitecer já não clamava mais por uma cervejinha. A necessidade de auto-recompensa com álcool ao final do dia foi substituída pelo cozinhar de um ranguinho bem caprichado. O álcool se tornou algo facilmente evitável, que na maior parte do tempo fugia da minha memória, um colega de anos longínquos de quem você lembra ocasialmente a cada 10 anos.

Um hábito positivo puxa o outro e os exercícios de segunda à sexta estavam indo bem. Nada muito pesado, mas eu vinha conseguindo fazer todos os dias, mesmo quando me sentia sem energia ou não estava com vontade. Usei 2 aplicativos bem conhecidos da Play Store, o "Barriga Tanquinho em 30 Dias" e o "Exercício em Casa" e eles realmente funcionam. Você não vai sair com uma barriga chapada em um mês, claro que não, mas nesses apps você consegue seguir um cronograma de treinamentos, ajustá-los à sua capacidade física e se motivar a ir completando cada dia de exercício planejado. Desde o início dos exercícios, pulei apenas um dia porque era aniversário da minha esposa. Me sinto mais forte e com um físico melhor. Também perdi peso. Sou um cara bem magro, mas com o passar dos anos acumulei aquela gordurinha de cerveja na barriga. Com exercícios, alimentação bem saudável e sem beber, uma parte dessa capa de lipídios deu adeus. 

Na cozinha, passei a comer vegetal com vegetal. Ao invés de me apoiar no tradicional arroz branco, carboidrato puro sem muito valor nutricional, passei a simplesmente substituí-lo por outros vegetais. Fazia um refogado de berinjela, por exemplo, e comia com abobrinha assada, ou no máximo uma batatinha cozida, ao invés de preparar um arroz. E nas poucas vezes que fiz arroz, optei pelo integral e em menor quantidade. O macarrão de trigo foi facilmente substituído pelo macarrão de lentilha, uma maravilha bem acessível que temos num supermercado aqui na Espanha. Ele é 100% feito de lentilha e apesar do gosto ser bem diferente de um macarrão comum, é claro, é muito mais saudável pois não tem glúten e ainda conta com um aporte de proteínas absurdo. Dá pra comer o quanto quiser, sem medo. Junto com o de lentilha, também comi macarrão de milho e de arroz, sempre evitando o trigo. Sobremesas que antes seriam chocolate, sorvete ou paçoca, viraram frutas. O hábito de tomar energético no final de semana, uma bebida química horrível, foi substituído pelo gazpacho ou por mais café. Possivelmente foram os 30 dias mais saudáveis da minha vida.

Assadão de vegetais que preparei. O alho desse jeito fica maravilhoso!

Vida melhorou

As coisas correram muito bem até o 29º dia. Neste em específico, deu ruim. Isso porque meu dia foi altamente estressante. Dei de cara na parede com coisas simples, vi trabalho mal feito de outros impactarem no meu, me senti atolado sem conseguir me mover. Fiquei furioso, um dia de merda, certamente o meu pior desde a volta pra Espanha. Foi aí que aquela vontade de beber voltou com tudo. A bebida é maravilhosa pra relaxar, o álcool começa a bater e você começa a ficar tranquilo, despreocupado, leve. Pelo menos comigo é sempre assim. Se eu não estivesse ficando 30 dias sem beber e com absoluto controle das minhas vontades, certamente nesse dia eu teria tomado algumas várias geladinhas.

Mas os 30 dias foram concluídos, sem grandes dificuldades. Nesse período, me senti melhor mentalmente porque voltei a ter confiança plena no meu autocontrole, na minha capacidade de me cuidar. Nesse período trabalhei melhor, porque muitas vezes quando tomo uma cervejinha, mesmo que em pouca quantidade, prefiro não fazer nada relacionado ao trabalho pra evitar fazer merda. Nesse período me senti melhor, meu corpo mais leve. Meu estômago passou a funcionar mais certinho, fiquei menos inchado e menos vezes, e o produto final da minha digestão passou a ser algo mais próximo da recomendação médica. Não sei se foi a falta de álcool, de glúten, de gordura, de açúcar ou o quê, mas certamente meu intestino agradeceu.

Me senti mais saudável, mais leve, mais forte, com maior controle sobre a minha vida. Foram 30 dias de uma transformação muito benéfica que me faz perguntar: por que não continuar por mais 30 dias, ou pelo ano todo? Se faz tão bem, por que não viver assim?

Este pensamento ainda está sendo processado. A gente demora pra entender e internalizar as coisas. Acredito que na parte da bebida, voltarei a tomar minha cerveja às sextas e sábados. Curto muito e não quero me privar desse prazer que a vida dá. Em relação à comida, muitos me perguntam se não sinto falta de carne depois de tantos anos como vegano. Não, não sinto falta nenhuma (tenho até repulsa hoje em dia). Algo similar aconteceu depois de 30 dias comendo bem. Não sinto nenhuma vontade de comer porcarias gordurosas, frituras que sempre adorei, ou doces açucarados. Eu poderia tranquilamente ficar mais tempo com essa alimentação mais regrada. Mas ao mesmo tempo sei que essas coisas são super gostosas e que o segredo da vida é o equilíbrio, o balanço, a moderação. Voltei do Brasil com mais de 1 kilo e meio de paçoca na mala, certamente vou comer uma paçoquinha depois desses 30 dias. A questão é manter o consumo baixo, até porque gordura, sal e açúcar foram um trio traiçoeiro, basta dar meia chance e eles te engolem vivo.

Pra finalizar, eu já tinha feito um experimento de 30 dias sem álcool em 2019. Mas dessa vez escrevi um texto, o que não fazia há anos, e publiquei neste querido blog abandonado. Por isso sou grato.


Se você chegou até aqui, obrigado por ler! Caso tenha uma experiência semelhante, deixe nos comentários. Também fico à disposição aqui ou no Twitter pra ajudar caso você esteja planejando um período como esse ou se quiser conversar sobre.


Um comentário:

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