30 dias sem beber — minha experiência com detalhes


Recentemente meti o pé na jaca e bebi todos os dias por quase um mês. Junto, me dei o prazer de comer tudo que queria: pastel, pizza, cachorro-quente, todos os tipos de frituras e guloseimas.

Mas resolvi fazer uma espécie de desintoxicação e cortar tudo isso por 30 dias.

O relato a seguir mostra como foi essa curta caminhada e como no final saí bem melhor.

Foto: Pexels.

Não me considero um alcoólatra. Não. Mas gosto muito de uma cervejinha e assim com os anos fui me transformando numa pessoa que flerta sempre com a ideia de tomar uma latinha ao final de cada dia.

Tive momentos de mais controle, em que defini pra mim mesmo que beberia só sextas e sábados, e momentos onde praticamente todos os dias dava uma bicada num suco de cevada.

Além do sabor da cerveja e do grau que ela dá, um fator que me colocou neste caminho foi a auto-recompensa. É aquele desejo que dá de comer alguma besteira, beber ou fazer alguma bobagem como contrapartida por você ter trabalhado o dia inteiro, se esforçado ou algo do gênero. Depois de um dia estressante e cansativo, nada melhor do que abrir uma cervejinha gelada, né?

Pois bem, estava eu com minhas cervejinhas até bem controladas quando fui visitar família e amigos no Brasil. Passei pouco mais de 20 dias e bebi em todos eles. Ou praticamente todos: se der pra pensar em uns 2 sem bebida, é muito. Cada encontro com meu pai, cervejinha ou vinho. Cada encontro com amigos? Numa festinha ou num buteco. Almoço na casa de beltrana? Compraram uma cerveja de aperitivo.

E assim passei cerca de 3 semanas bebendo diariamente, às vezes quantidades consideráveis.

Antes de ir para o Brasil eu já tinha voltado a me exercitar e a deixar as latinhas apenas para sextas e sábados. Lá no Brasa estava de férias e férias, como diz um grande amigo meu, "não tem regras". Mas na volta pra casa, na Espanha, decidi fazer um experimento e tirar a bebida da minha vida por 30 dias.

Por que não beber?

Imagino que pra quem não bebe, a frase em negrito no parágrafo anterior não pareça nada demais. Talvez você naturalmente passe longos períodos sem beber. Ou talvez seja como um outro amigo meu, que simplesmente não gosta de bebida e não bebe.

Imagino que pra quem bebe muito, a frase pareça impossível. Talvez o cara que toma umas 3 garrafas de pão líquido por dia está feliz e simplesmente não entenda como é possível ficar 30 dias sem.

Minha situação não é nem tanto pra lá, nem tanto pra cá. Mas coloquei o desafio pra mim mesmo, com direito a controle diário num quadro branco e tudo. A cada dia sem beber, marcava um quadradinho. A meta: 30 quadradinhos. (Minha esposa viu isso e comparou com aqueles filmes em que o presidiário fica marcando os dias na parede).

Quadro branco no 30º dia.

Como já ia fazer uma concessão e ficar sem o maravilhoso líquido dourado por 30 dias - e sem todos os seus comparsas - resolvi ir além.

No Brasil tive contato próximo com minha irmã mais nova, de 20 e poucos anos, que tem uma alimentação exemplar. Ela ingere pouco carboidrato, evita trigo, foge de qualquer besteira açucarada e chega a pesar alguns alimentos antes de preparar, pra comer na medida certa. Quando voltei do Brasil, resolvi seguir mais ou menos a linha dela. Durante os 30 dias sem bebida, eu também comeria basicamente vegetais, cortando o máximo possível trigo, carboidratos vazios como arroz branco, besteiras, açúcar, frituras e superprocessados.

E hoje eu chego no meu 30º dia.

3 primeiros dias

O 1º dia foi fácil. Empolgado, não tive muitas dificuldades pra não beber nada. Orgulhoso dos meus planos, pedi um rango padrão chinês, com arroz e muitos vegetais. Eu tinha voltado de viagem e a geladeira estava vazia, então tive que pedir no delivery local. Sorte que os chineses, ao contrário da cultura brasileira, têm os vegetais muitíssimo bem integrados na sua alimentação. Comem em quantidade e variedade. Mas nesse dia comi bastante arroz branco e uma berinjela que vinha ensopada no óleo. De qualquer maneira, não era nenhuma porcaria e eu estava apenas começando, então foi tranquilo.

Mais sobre minha experiência morando na China aqui.
Pra comer melhor, precisava encher a geladeira. Fui no supermercado logo cedo no 2º dia e fiz uma compra como poucas vezes na minha vida: praticamente todos alimentos frescos. Os poucos industrializados também eram vegetais e evitei qualquer porcaria que não me fizesse bem. E assim minha geladeira ficou linda, colorida, cheia de vida.

Péssima foto, mas tá aí a maior parte das minhas compras.

Eu comprei um negócio que os espanhóis tomam chamado gazpacho. É uma bebida bem tradicional que, como alguns seguidores apontaram, é como se fosse uma salada líquida. Tomate, cebola, pepino, pimentão e outras coisas do tipo batidos no formato de um suco cremoso. Eles tomam isso como sopa, mas também frio como um suco mesmo. É algo que certamente daria pra esquentar e jogar em cima de um macarrão como molho de tomate. Mas fiz como os espanhóis e bebi de guti-guti no copo. Me parece uma bebida maravilhosa pra saúde porque é literalmente como tomar uma salada. 
Só que isso já era um sábado. O jet lag já tinha passado, eu já tinha organizado as minhas coisas, a euforia tinha acabado. E era sábado. Sábado é dia de comer porcaria e beber cerveja. Ou pelo menos era na minha cultura de final de semana. Então nesse dia tive bastante vontade de tomar uma.

Acredito que a força de vontade de não tomar uma gela, ou de se restringir de outros comportamentos maléficos, vem de dentro. Mas algumas coisas podem ajudar muito. Por exemplo: não ter cerveja na geladeira (e se possível nem em casa) coloca uma barreira desgraçada na sua frente. Se tem uma latinha ali, geladinha, grintando pra ser tomada, pode ser que o indivíduo falhe. Afinal, é só estender a mão pra encontrar o que quer. Mas se pra sair da linha o cara tiver que arrumar o cabelo, botar uma roupa, pegar as coisas e ir até um supermercado, isso já faz o cidadão pensar umas 10 vezes antes de fazer merda.

Por isso me preparei antes: não tinha cerveja em casa. E assim não tomei pelo segundo dia, em pleno final de semana. Antes disso, provavelmente devo ter tomado cerveja em todos os finais de semana dos últimos sei lá, 2 anos no mínimo.

O dia 3 já era um domingo. Domingo normalmente não é dia de beber, ao menos na minha rotina de final de semana, então pensei que seria mais tranquilo. Só que domingo pra mim, ao contrário de quase o mundo todo, é dia de trabalhar muito. É o dia em que adianto a gravação de vídeos pros meus canais no YouTube. Geralmente trabalho da hora que acordo até a hora de ir dormir. E muito trabalho gera estresse, cansaço e... aquela vontadezinha de se recompensar pelo trabalho feito. A vontade veio e pensei em como lidar com ela.

Tempos atrás, fiz esse mesmo tipo de experimento com café. Café é aquela droguinha lícita, leve, que causa vício em meio planeta e ninguém discute. É normal. Eu sou apenas mais um com o sangue preto da cor de café de tanto beber esse líquido maravilhoso. E em alguns momentos da minha vida isso também saiu de controle. O pobre e inofensivo café começou a me dar problemas gastrointestinais, além de dificuldades pra dormir e até palpitação, quando você ingere tanta cafeína que seu coração acelera e suas mãos ficam tremendo. Então saiba, leitor, que já tenho experiência com esses 30 dias de abstinência, só que com café e mais de uma vez. E numa dessas experiências, algo que me ajudou muito foi a substituição. Eu gosto de sempre estar bebendo alguma coisa e até acho que tenho algum grau de polidipsia, um distúrbio que faz a pessoa querer ingerir líquidos a toda hora. Então trocando café por chá, a camomila me ajudou muito a esquecer da cafeína. E passei a fazer o mesmo pra controlar a vontade de tomar cerveja: um cházinho no lugar. Funcionou.

1ª semana útil

Acordei no 4º dia e fui logo pro meu quadro branco marcar mais um ✔, já vislumbrando o dia em que o quadro estaria todo completo. Nesse período eu estava trabalhando muito, tirando o atraso dos meus 20 dias de viagem e botando as coisas em ordem. Mas mesmo assim decidi que junto com esse mês sem beber e me alimentando bem, também voltaria a me exercitar todos os dias de semana. Isso é algo que eu vinha fazendo antes da viagem, mas que no Brasil se perdeu completamente por motivos de "férias não tem regras".


O exercício é mal compreendido por muita gente. As pessoas encaram como uma forma de perder peso, de melhorar o corpo e se manter saudável, mas pouco se fala do incrível impulso mental que o exercício dá. Quando corremos, malhamos ou fazemos algum esporte, nosso corpo libera endorfina, que nos deixa mais felizes, mais motivados e até mais energizados - o que parece um contrasenso já que acabamos de gastar energia. Tenho conviccção de que exercício regular ajuda muito a pessoa a ser feliz. Mas outra coisa que o exercício faz é puxar um fio de bons hábitos. Se você foge de uma alimentação saudável um dia pra comer uma besteira, é provável que seu controle sobre a alimentação acabe se perdendo de algum jeito. Se você anda com pessoas que só comem besteira, fica mais difícil não comer besteira. Hábitos ruins puxam hábitos ruins, mas os bons também trazem outros bons. O exercício, pra mim, traz todos esses benefícios e um a mais: depois de gastar energia eu raramente tenho vontade de comer porcaria.

Não sei se são os sinais que o corpo manda ou o quê, mas cada vez que saio pra correr, na volta tenho vontade de comer uma cenoura crua, uma vitamina de banana, uma salada ou algo tipo arroz com feijão, mas nunca salgadinho, frituras ou um drink. O corpo é uma máquina quase perfeita e no pós-exercício, é nosso melhor amigo.

A partir daquela segunda-feira, durante minha primeira semana útil sem álcool, minha mente se dividiria entre a vontade de tomar umazinha depois de um dia estressante e a vontade de tomar um suco ou só agua depois de uma sessão de exercícios. Essa guerra mental durou alguns dias, mas gradualmente a minha parte mais racional foi vencendo e o desejo de tomar umazinha foi se esvaindo.

O final de semana veio. Normalmente pra mim um domingo é igual uma terça que é igual uma sexta. Eu sempre trabalho todos os dias, praticamente o dia inteiro. Nesse fim de semana então não foi complicado esquecer que sexta e sábado são dias de cervejinha. Encarei esses dias como qualquer outro e a vontade, muitas vezes ajudada por um cházinho de camomila, passou. Senti que meu corpo estava se desintoxicando mentalmente do apego ao álcool. 

É tudo hábito

Quando fiz meus experimentos de períodos sem tomar café, inevitavelmente cheguei à conclusão de que muito daquilo é hábito. Por diversos motivos diferentes, hábitos são poderosos e alguns difíceis de largar. "Old habits die hard", dizem os estadounidenses. Quando você consegue quebrar um mau hábito em pedacinhos, ele perde sua força e você recupera a sua autonomia. Com o café foi assim: aquele líquido que ingeri diariamente por anos, que eu me considerava tão viciado (e sou) na verdade nem era tão viciante assim, o que pegava era o hábito. Quebrando o hábito, ou substituindo pelo do cházinho, tudo se resolveu.

Eventualmente voltei a tomar café porque gosto muito, foi uma escolha, assim como sei que depois desse período sem álcool eu voltarei a beber, também como escolha consciente. Mas a cada dia marcado no meu quadro branco, fui percebendo que os diversos mecanismos mentais que me falavam pra beber foram se desfazendo. O anoitecer já não clamava mais por uma cervejinha. A necessidade de auto-recompensa com álcool ao final do dia foi substituída pelo cozinhar de um ranguinho bem caprichado. O álcool se tornou algo facilmente evitável, que na maior parte do tempo fugia da minha memória, um colega de anos longínquos de quem você lembra ocasialmente a cada 10 anos.

Um hábito positivo puxa o outro e os exercícios de segunda à sexta estavam indo bem. Nada muito pesado, mas eu vinha conseguindo fazer todos os dias, mesmo quando me sentia sem energia ou não estava com vontade. Usei 2 aplicativos bem conhecidos da Play Store, o "Barriga Tanquinho em 30 Dias" e o "Exercício em Casa" e eles realmente funcionam. Você não vai sair com uma barriga chapada em um mês, claro que não, mas nesses apps você consegue seguir um cronograma de treinamentos, ajustá-los à sua capacidade física e se motivar a ir completando cada dia de exercício planejado. Desde o início dos exercícios, pulei apenas um dia porque era aniversário da minha esposa. Me sinto mais forte e com um físico melhor. Também perdi peso. Sou um cara bem magro, mas com o passar dos anos acumulei aquela gordurinha de cerveja na barriga. Com exercícios, alimentação bem saudável e sem beber, uma parte dessa capa de lipídios deu adeus. 

Na cozinha, passei a comer vegetal com vegetal. Ao invés de me apoiar no tradicional arroz branco, carboidrato puro sem muito valor nutricional, passei a simplesmente substituí-lo por outros vegetais. Fazia um refogado de berinjela, por exemplo, e comia com abobrinha assada, ou no máximo uma batatinha cozida, ao invés de preparar um arroz. E nas poucas vezes que fiz arroz, optei pelo integral e em menor quantidade. O macarrão de trigo foi facilmente substituído pelo macarrão de lentilha, uma maravilha bem acessível que temos num supermercado aqui na Espanha. Ele é 100% feito de lentilha e apesar do gosto ser bem diferente de um macarrão comum, é claro, é muito mais saudável pois não tem glúten e ainda conta com um aporte de proteínas absurdo. Dá pra comer o quanto quiser, sem medo. Junto com o de lentilha, também comi macarrão de milho e de arroz, sempre evitando o trigo. Sobremesas que antes seriam chocolate, sorvete ou paçoca, viraram frutas. O hábito de tomar energético no final de semana, uma bebida química horrível, foi substituído pelo gazpacho ou por mais café. Possivelmente foram os 30 dias mais saudáveis da minha vida.

Assadão de vegetais que preparei. O alho desse jeito fica maravilhoso!

Vida melhorou

As coisas correram muito bem até o 29º dia. Neste em específico, deu ruim. Isso porque meu dia foi altamente estressante. Dei de cara na parede com coisas simples, vi trabalho mal feito de outros impactarem no meu, me senti atolado sem conseguir me mover. Fiquei furioso, um dia de merda, certamente o meu pior desde a volta pra Espanha. Foi aí que aquela vontade de beber voltou com tudo. A bebida é maravilhosa pra relaxar, o álcool começa a bater e você começa a ficar tranquilo, despreocupado, leve. Pelo menos comigo é sempre assim. Se eu não estivesse ficando 30 dias sem beber e com absoluto controle das minhas vontades, certamente nesse dia eu teria tomado algumas várias geladinhas.

Mas os 30 dias foram concluídos, sem grandes dificuldades. Nesse período, me senti melhor mentalmente porque voltei a ter confiança plena no meu autocontrole, na minha capacidade de me cuidar. Nesse período trabalhei melhor, porque muitas vezes quando tomo uma cervejinha, mesmo que em pouca quantidade, prefiro não fazer nada relacionado ao trabalho pra evitar fazer merda. Nesse período me senti melhor, meu corpo mais leve. Meu estômago passou a funcionar mais certinho, fiquei menos inchado e menos vezes, e o produto final da minha digestão passou a ser algo mais próximo da recomendação médica. Não sei se foi a falta de álcool, de glúten, de gordura, de açúcar ou o quê, mas certamente meu intestino agradeceu.

Me senti mais saudável, mais leve, mais forte, com maior controle sobre a minha vida. Foram 30 dias de uma transformação muito benéfica que me faz perguntar: por que não continuar por mais 30 dias, ou pelo ano todo? Se faz tão bem, por que não viver assim?

Este pensamento ainda está sendo processado. A gente demora pra entender e internalizar as coisas. Acredito que na parte da bebida, voltarei a tomar minha cerveja às sextas e sábados. Curto muito e não quero me privar desse prazer que a vida dá. Em relação à comida, muitos me perguntam se não sinto falta de carne depois de tantos anos como vegano. Não, não sinto falta nenhuma (tenho até repulsa hoje em dia). Algo similar aconteceu depois de 30 dias comendo bem. Não sinto nenhuma vontade de comer porcarias gordurosas, frituras que sempre adorei, ou doces açucarados. Eu poderia tranquilamente ficar mais tempo com essa alimentação mais regrada. Mas ao mesmo tempo sei que essas coisas são super gostosas e que o segredo da vida é o equilíbrio, o balanço, a moderação. Voltei do Brasil com mais de 1 kilo e meio de paçoca na mala, certamente vou comer uma paçoquinha depois desses 30 dias. A questão é manter o consumo baixo, até porque gordura, sal e açúcar foram um trio traiçoeiro, basta dar meia chance e eles te engolem vivo.

Pra finalizar, eu já tinha feito um experimento de 30 dias sem álcool em 2019. Mas dessa vez escrevi um texto, o que não fazia há anos, e publiquei neste querido blog abandonado. Por isso sou grato.


Se você chegou até aqui, obrigado por ler! Caso tenha uma experiência semelhante, deixe nos comentários. Também fico à disposição aqui ou no Twitter pra ajudar caso você esteja planejando um período como esse ou se quiser conversar sobre.


Esses são os 5 maiores arrependimentos das pessoas antes de morrer


A gente supõe que todo mundo quer viver a sua melhor vida, ser feliz e não se arrepender no final da própria passagem pelo mundo.

Só que a verdade é que muitos de nós seguimos caminhos toscos, erramos muito, insistimos nos erros e nos arrastamos pela vida com momentos de infelicidade que geram arrependimentos lá na frente.

Mas como garantir que vou viver a minha vida ao máximo e chegar nos meus últimos dias satisfeito e realizado com o caminho que tomei?

Não é fácil, mas uma dica pode ser pedir ajuda pras pessoas que já passaram pela vida e estão nos seus últimos dias.

Bronnie Ware escreveu um livro chamado "Os 5 Principais Arrependimentos que as Pessoas Têm Antes de Morrer"* que explora esse tema.

Ela trabalhou no cuidado de idosos que estavam nas últimas semanas de vida e contou como ao chegar nessa situação as pessoas têm arrependimentos muito parecidos.

Então vamos para os 5 maiores arrependimentos que as pessoas têm antes de morrer:

5) Eu queria ter me permitido ser mais feliz

Pode parecer um absurdo falar isso, mas muitas vezes felicidade é uma escolha. Apesar das dificuldades que cada um tem, muitos de nós temos uma família saudável, comida na mesa, amigos, corpo e mente funcionando perfeitamente. Se a gente tira tempo pra ser grato por essas coisas, pode encontrar felicidade imediatamente.

Felicidade é uma forma de viver, não um destino final. Isso daria um artigo completo, mas o fato é que se você fica esperando o dia em que vai comprar aquela sua casa dos sonhos, aquele carrão, conseguir aquela promoção no emprego, etc. e que essas coisas vão te fazer feliz, engana-se. Não existe uma porta no fim do túnel que você abre e dentro está a felicidade.

A felicidade está disponível durante todo o caminho.

Você está focando demais em conseguir mais poder, dinheiro, status? E aí esquecendo de apreciar o que tem agora? Talvez o melhor seja aprender a relaxar e aproveitar as pequenas coisas da vida.

Imagem só pra ilustrar a felicidade mesmo. Artista: Kuldar Leement.

4) Eu queria ter mantido contato com os meus amigos

É complicado porque mesmo os amigos mais próximos podem acabar ficando mais longe com o tempo. Eu tive a sorte de ter um grande grupo de amigos minha vida inteira, mas depois da faculdade cada um seguiu seu rumo e os encontros passarem a ser menos frequentes. Depois me mudei pro exterior, aí agora se conseguir ver eles uma vez por ano, presencialmente, é lucro.

Manter amizades muitas vezes é uma arte. As pessoas têm suas vidas, são ocupadas, há desavenças. portanto é algo que deve ser feito conscientemente. Igual a uma planta: se você deixar pra regar só de vez em quando, só quando lembrar, ela pode morrer. Para deixar a planta viva é necessário tê-la como prioridade, regar ela com frequência e cuidar. Dentro do possível, mantenha as amizades que valem a pena e faça novas, se você for um ser sociável. Há poucos sentimentos mais legais do que um abraço fraterno num amigo que compartilhou com você grandes momentos da vida.

3) Eu queria ter expressado meus sentimentos

Olha, eu acho que a gente guarda muita coisa fundo lá dentro, tanto boas quanto ruins. Quando eu era mais jovem tinha medo de falar "eu te amo" pras pessoas e depois que perdi alguém querido, demorei um tempo mas passei a perceber que falar "eu te amo" de mais é melhor do que de menos. Faz bem pra quem fala e pra quem ouve.

E isso vale para sentimentos ruins também. É horrível você ficar guardando ressentimentos e mágoas sem nunca colocar pra fora. Em relacionamentos amorosos, por exemplo, eu acredito que um segredo pra mim e a minha esposa estarmos juntos há 10 anos é a comunicação, resolver os problemas sendo sinceros um com o outro, falar abertamente, não ficar guardando nada. Também quando tem alguém te fazendo mal, intencionalmente te prejudicando, é importante ter a coragem de se levantar e reagir, mostrar sua posição, jogar umas verdades na cara dessa pessoa escrota se for necessário. Nem sempre a confrontação é algo ruim, porque ela adiciona transparência e honestidade em uma relação, o que pode fazer com que as pessoas se entendam melhor, se respeitem mais. Nossa habilidade de sentir e se emocionar é maravilhosa, não há motivo pra botar uma tampa nisso e deixar guardado, aliás não faz nem bem.

Bota pra fora tudo isso. Artista: AyyaSAP.

2) Eu queria não ter trabalhado tanto

Esse arrependimento vem mais de homens, diz a autora do livro, e de todos eles. As pessoas, especialmente os homens, ficam presas em rotinas intensas de trabalho e acabam participando pouco da criação dos filhos, ou perdendo contato com a própria pessoa amada, ou deixando de se divertir enquanto tem energia.

Deve ser uma merda chegar no final da vida e perceber que você abriu mão de tempo e felicidade compartilhada com as pessoas que você mais ama, pra botar uma roupa desconfortável e trabalhar inúmeras horas diariamente pro dono de uma empresa qualquer ganhar dinheiro nas suas costas.

Claro que dinheiro é importante, mas vale a pena trocar a alegria de compartilhar momentos com a sua família por um pouco mais de grana no bolso? Será que simplificando nosso estilo de vida, gastando menos, focando no essencial, não dá pra ter menos custos e aí precisar trabalhar menos? Será que a gente não tenta ter sucesso e cada vez mais dinheiro pra tentar provar alguma coisa pros outros? É de se pensar.

1) Eu queria ter tido coragem de viver uma vida pra mim mesmo, não a vida que outros esperavam de mim

Esse é o maior arrependimento de todos.

As pessoas deixam de perseguir seus sonhos, de fazer o que elas gostam, e acabam tomando péssimas escolhas, seguindo caminhos que não lhe agradam. Só porque é socialmente mais aceitável. Ou porque é isso que os pais esperavam da pessoa. Ou claro, porque dá mais estabilidade financeira, deixando outras tantas coisas importantes de lado.

Esses arrependimentos vêm de dentro de cada um, mas também te convido a pensar se você não está causando esses problemas pra outras pessoas. Se você é pai, está deixando seus filhos seguirem seus caminhos ou tentando impôr o caminho que você acha certo? Você aceita as pessoas como elas são? Você bullyna e zomba de amigos e outras pessoas quando elas tentam coisas diferentes? Pense se além de você não estar vivendo a vida como quer, não está também prejudicando que outras pessoas o façam.

Seja livre. Artista: annewipf.
Acredito que é impossível viver uma vida perfeita, sempre vai haver algum arrependimento no final. Mas a questão é viver a nossa melhor vida possível e tentar minimizar essas tristezas lá na frente.

Como essas lições de vida vão mudar a forma como você vive a sua? O que você faria hoje se fosse morrer amanhã?

Acho que a grande questão aqui é manter boas relações com quem você ama e fazer o que te faz feliz, se você sabe o que isso é.

Não esqueça de compartilhar esse artigo com pessoas que você ama, pode ajudá-las a viverem vidas com menos arrependimentos. Obrigado por ler até o final, espero ter contribuído com alguma coisa 💚


Vale avisar que este post também está disponível em vídeo:

Eu tinha medo de ficar velho, até que cheguei aos 30


Eu morria de medo de ficar velho.

Lembro de chegar aos 22 e me recordar vivamente do dia em que eu, ainda adolescente, falava com uma conhecida adulta e ela me dizia que tinha completado 2 patinhos na lagoa. Na época pensei: 22? Que velha.

Aos 25 escrevi um post no blog contando sobre o sentimento de ficar velho. Considerando que a gente vira adulto de verdade lá pelos 20, eu pensava que tava com metade do caminho pra chegar nos 30. E isso me preocupava.

Aos 27 conversava com amigos como eu tinha percebido o aparecimento de marcas de idade na cara. Aquela famosa linha de dobrinha na testa. E aquelas que fazem assim pelos lados do nariz e da boca (👃).


Nessa idade também percebi uma leve desaceleração do meu metabolismo. Nunca tive problemas em me manter magro, mas aos 27 acumulei uma pequena pelanquinha na barriga.

Na empresa onde eu trabalhava, com uma porrada de gente nos seus ~22 anos, eu já era considerado um cara mais experiente.

Em certas atrações turísticas, saí da categoria "jovem", que só vai até os 24 anos. Pra comprar ingresso passei a fazer parte da categoria 25-34.

Aos 29 fiz uma brincadeira com a Avril Lavigne e o pessoal no twitter não sabia quem era. Um rapaz comentou: "Avril Lavigne? Aí tu entregas a nossa idade!"

Sempre tive medo de envelhecer. E agora cheguei aos temidos 30. Meu amigo me perguntou o que eu tava achando de chegar nessa idade. E o que era medo virou tesão.

Mudança de mentalidade

Tesão porque me conheço mais do que nunca. Chego aos 30 anos sabendo exatamente do que sou capaz, confiando no meu taco ao mesmo tempo em que tenho consciência das coisas que não servem pra mim ou não me agradam.

Chego aos 30 anos cada vez mais certo dos meus valores, das atitudes que tenho que tomar. Daquilo que eu defendo e daquilo que eu repudio.

Chego aos 30 com uma trajetória profissional traçada em grande parte de forma independente, sob os meus termos e não de acordo com expectativas dos outros sobre mim. Sinto orgulho do que construí.

Chego aos 30 no auge da minha saúde e forma física, me sentindo bem, forte e vivo. E sabendo que o declínio físico é natural, chego aos 30 valorizando a minha mobilidade atual, trabalhando pra que ela perdure por muito tempo. Sabendo que não se vive pra sempre e que precisamos valorizar o agora.

Chego aos 30 amando muito e sendo muito amado diariamente, valorizando cada sorriso, abraço, conversa e palavra.

Chego aos 30 mais maduro, sábio, confiante, com fome, vontade e motivação.

Chego aos 30 entendendo que quase nada disso eu tinha aos 20 e que envelhecer é se engrandecer.

Chego aos 30 com um baita de um tesão, porque os 10 anos até os 40 têm tudo pra serem os melhores da minha vida.



Relato sincero de uma crise de ansiedade

Foto: Moritz Schumacher.

3 dias antes

Estou nervoso demais e penso continuamente na reunião. É a mais importante da minha vida. Uma reunião que pode definir meu futuro profissional e me dar uma bela estabilidade financeira. Se o contrato for assinado, tudo pode mudar pra mim.

Meu nervosismo não é nem sobre conseguir convencer o cliente a contratar meus serviços. O contrato será assinado, isso já foi definido. O meu medo vem da situação. Me sinto como uma criança indo fazer coisa de gente grande.

A empresa tem altas expectativas sobre o trabalho que vou fazer pra eles e acreditam que minha participação pode ser determinante no crescimento do negócio. Eles são da área financeira, normalmente mais conservadora e lotada de gente endinheirada e que usa terno. Nunca tive dinheiro e sempre odiei terno. Fico me imaginando entrando numa sala de reunião com uns 10 executivos de gravata, e tendo que mostrar ali meu conhecimento, provar que tudo o que falei antes, para convencê-los a me contratar, é verdade. Meu coração dispara um pouco só de pensar. Fico com medo de chegar lá e não saber mais falar inglês.

O desconhecido também tem um papel forte na ansiosidade. A reunião não é em um lugar familiar, é na Estônia. Eu nunca estive na Estônia, nunca conheci alguém da Estônia e não sei nada sobre a Estônia. Será que eles são gentis ou grossos? Vão me tratar bem ou a relação será fria e meramente profissional? Eles confiam em mim ou são desconfiados? O que acham de um brasileiro tentando provar que é a melhor pessoa para aquela tarefa?

Também não conheço nenhuma das pessoas com quem me reunirei. Será totalmente no escuro. Eu não fui até eles, eles que me acharam no LinkedIn e depois de 2 ou 3 conversas, sem vídeo, lá vou eu enfrentá-los de frente. 10 caras engravatados me olhando com cara de julgamento, é o que sempre vem na minha cabeça quando eu mentalmente entro no escritório.

Foto: Unsplash.
O problema é que não posso chegar lá como uma criança com medo do desconhecido, como um adolescente achando que está numa reunião muito grande para o seu próprio tamanho. Sou um homem, vendendo meus serviços e querendo ser muito bem pago para isso. Preciso chegar de cabeça pra cima e falar com confiança sobre o que eu sei. Só.

Só? Não parece muito, mas parece muito.

Agora preciso comprar uma roupa minimamente social, porque não tenho nenhuma. Sou o cara da calça jeans, camiseta e tênis todo arrombado. Eles são os caras dos ternos. Terno não vou usar, já decidi, mas preciso me adequar minimamente ao ambiente com um tênis não rasgado e uma camisa social pra usar por fora do jeans. E preciso me adequar minimamente à mentalidade certa que uma situação como essa exige. Sou um adulto de quase 30 anos e não tenho mais como fugir da responsabilidade. Preciso encher o peito e encarar.

2 dias antes

Comprei um tênis novo. É normal, mas branco e limpo pra passar uma imagem melhor. Eu decidi não ligar tanto para minha aparência, mesmo indo para o covil dos enternados, mas o estado do meu tênis anterior estava crítico. Parecia uma desleixado mesmo. Peguei também uma camisa social, que não tinha aqui, pra ficar minimamente dentro do clima por lá. É bem simples e justinha, dá uma pitada de formal num look de adolescente casual. Incrível eu estar falando de vestimenta, algo que procuro não ligar tanto desde que EU esteja me sentindo bem, mas a situação me fez pensar nessas coisas. Vou semi-arrumadinho!

A ansiedade continua a mil. Penso na viagem/reunião dezenas de vezes todos os dias. Penso no que vai acontecer e a mente automaticamente busca situações ruins. Não vou saber o que falar, vão me fazer perguntas que não saberei responder, vou tremer e gaguejar. Meus 28 anos de vida me ensinaram que essa atitude é simplesmente irracional. Provavelmente nada disso vai acontecer e, se algo acontecer, não adianta nada eu ficar dias me preocupando com antecedência. Isso eu sei, mas é mais forte que eu. Do mesmo jeito que alguém não pode escolher parar de amar alguém, é algo que vem de dentro, eu não consigo simplesmente me olhar no espelho e me mandar parar de ficar nervoso. Eu simplesmente fico. As pernas batem, o coração acelera e a preocupação assola, só de pensar. Que dispositivo mental usar para me preocupar menos eu ainda não consegui encontrar.

Tá chegando.

1 dia antes

Que nervoso. Tá chegando. Nem fui dormir e em menos de 5 horas tenho que estar de pé pra ir lá, na Estônia, ter a reunião mais importante da minha vida.

Fiz a barba, arrumei a mochila. Pesquisei bastante sobre o negócio da empresa, sobre a empresa. Reli os e-mails e mensagens que troquei com eles até hoje. Fiz anotações, escrevi ideias. Mesmo assim me sinto despreparado. Os caras me acharam online e querem me contratar pagando um dinheiro bom. Estão me levando pra Estônia com tudo pago pra que eu preste meu serviço. Mesmo assim, parece que estou indo pelado para uma sessão de apedrejamento. A ansiedade é tanta que parece passar de níveis aceitáveis. Meu lado racional tenta levar tudo numa boa, sei que o certo é ficar tranquilo, mas como um músculo involuntário, a minha mente faz tudo errado. Pensa besteiras e faz minhas pernas baterem no chão incessantemente. Meus dedos são comidos. E a preocupação vai tomando conta como uma gaveta cheia de trecos que não cabe mais nada.

Agora é dormir. Assim que eu acordar não tem mais volta, no momento que eu colocar o pé para fora deste apartamento estarei a caminho de lá. Veremos no que vai dar. Nunca senti tanta vontade de levar alguém de confiança comigo, de ter minha esposa por perto. Mas estarei sozinho. Boa sorte pra mim.

No dia

Casa, aeroporto, Letônia, Estônia, escritório.

Em nenhum momento desse translado eu fiquei mais tranquilo. Continuei nervoso à beça, mas sobrevivi. Entrei no prédio, pedi informações. Achei o elevador. Apertei o andar certo. Cheguei na porta da empresa. Respirei fundo e toquei o interfone.

E como era de se esperar, tudo ocorreu sem problemas. Fui recebido com um sorriso no rosto e logo me levaram para uma sala, onde um rapaz sozinho, sem terno, me ensinou mais sobre a empresa e o negócio. Tudo de forma bem mais informal do que eu imaginava, com direito a papo jogado fora e piadinhas. Ele era jovem como eu.

Aí veio o contrato. Nada demais. Me deram os papéis, que eu já tinha lido com antecedência, e uma caneta. Rabisquei e rabisquei, páginas e páginas, e pronto. Minha contratação estava garantida. Teria uma estabilidade financeira boa pelos próximos meses. Nesse momento o peito desinflou um pouco. Bateu uma tranquilidade momentânea. Tava tudo dando certo, sem pressão exagerada, sem ternos, contrato assinado. Contrato assinado!

Me levaram para conversar com meu futuro chefe e a pegada seguiu a mesma, tudo tranquilo. Com simpatia, conversamos mais sobre minhas tarefas, sobre a empresa, sobre as expectativas. Fomos almoçar e o cara pesquisou com antecedência um restaurante vegano pra me levar. A comida tava excelente, tudo pago pela empresa, e jogamos papo fora.

No final do dia, no hotel, olhei pra fora da janela do quarto e me bateu uma paz imensa. Trabalho concluído. A neve até perder de vista na rua, por cima dos carros e cobrindo as árvores, também ajudou. Um banho quente e deitei na cama com uma tranquilidade absurda. Dormi bem demais.

O dia seguinte foi semelhante, com papo no escritório, uma volta na bela Tallinn, capital da Estônia, e volta pra casa. Tudo tranquilo, tudo certo. Tudo funcionou.

Enquanto eu esperava meu avião, tomando uma cerveja no saguão do aeroporto e lambusando meus dedos no óleo da batata frita, só conseguia pensar: por que diabos fui ficar tão nervoso?

Tallinn estava assim.


Se você caiu aqui de paraquedas, oi! :) Se você era leitor do blog nas antigas e se pergunta por que ele está abandonado, mudei meu foco totalmente para o YouTube. Possuo 3 canais com algum tamanho e tento botar minha energia lá. Através de um emprego eu aprendi muito sobre a plataforma e acabei conseguindo muito mais retorno sobre o meu trabalho executando-o em vídeo do que em texto. Uma parte de mim ficará pra sempre triste que esse blog está em processo de falecimento, lembrará com carinho da época em que eu conseguia postar textos longos toda semana. Mas a outra parte encara como o fim de um ciclo, onde outra porta se abriu e eu me joguei com tudo. Se quiser continuar em contato com meu trabalho, olha o meu canal e me segue lá no twitter. Obrigado por ler até aqui :)


Quanto custa morar em Berlim? Custo de vida detalhado


Quanto custa morar em Berlim


Eu tinha certeza que queria morar na Europa, mas não tinha ideia de quanto isso ia custar. Queria tirar minha cidadania italiana e até aí planejei tudo direitinho. Depois, com a cidadania na mão, não tinha mais planos e deixei a vida me levar.

Vim parar em Berlim e percebi que muitos brasileiros sonham ou ao menos consideram vir morar aqui. (Pra ser sincero, a cidade tá lotada de brasileiros.) Mas pra quem pensa em vir pra essas bandas, fica a dúvida: quanto custa morar em Berlim?

Quando eu pesquisei, encontrei diversas estimativas na internet, tanto de gente que vive com o mínimo quanto de gente com padrão de vida bem maior que o meu. Mas nenhuma dessas estimativas estava bem detalhada, com preços por mês e preços reais de produtos. Nenhuma delas tinha sido escrita por gente que vive mais ou menos como eu, na economia mas sem ser pão duro. Por isso resolvi criar esse post, bem detalhado para você que tem lá no fundo da cabeça a ideia de vir morar em Berlim ou na Europa.

Espero ajudar mostrando que mesmo estando em uma grande capital europeia, o custo de vida é bem acessível.

Vou dividir todos os gastos em categorias e ir dando mais detalhes dentro de cada uma delas. Mas antes de começar, dois pequenos detalhes:

1) Entre as grandes capitais da Europa, Berlim é uma das mais baratas.

2) Converter os preços para real e aí comparar esses valores com os saláriozinhos que muitos de nós ganhamos no Brasil não dá. Isso faz sentido só para quem vem como turista, quem está aqui de passagem. Morando e trabalhando aqui, você estará numa realidade onde o salário mínimo é de 1.500 euros. Então se for pra converter os preços, converta os salários também. (Aliás, não converta não porque dá mais de 5 mil reais de salário mínimo e isso machuca os nossos corações verde-amarelos.)

Sem mais delongas, vamos ao que interessa.


Quanto custa morar em Berlim?

Abaixo estão descritos todos os meus gastos, divididos em hospedagem, alimentação, transporte, bebidas e entretenimento. Me baseei nos meses que morei em tempo integral na cidade: abril, maio, junho, julho e agosto de 2017.

Não converti nada para reais porque o câmbio muda bastante e, como disse, a conversão faz sentido para turistas, não para quem quer mudar em definitivo.

Hospedagem

Quando cheguei aqui fiquei na casa do meu irmão, alugando um quarto com tudo incluso por 300 euros. Esse quarto foi na base da camaradagem, porque não é fácil achar um lugar confortável pra ficar nessa faixa de preço, a não ser que você se afaste muito das áreas mais centrais da cidade. Ouvi diversos colegas dizerem que gastam cerca de 500 a 600 euros com aluguel de quarto em apartamentos compartilhados.

Saindo da casa do meu irmão, não tínhamos pra onde ir e alugamos um apartamento por apenas 1 mês por 560 euros. A localização era fantástica, perto de tudo, mas o apartamento era BEM pequeno. Certamente era um apartamento para uma pessoa onde acabamos morando a dois, eu e a minha esposa. Para se ter uma ideia, o melhor lugar do ap para abrir um varal e secar a roupa era na frente do banheiro. Aí cada vez que eu queria entrar lá precisava me esgueirar pelo canto do varal para conseguir passar. A situação não era ideal, digamos assim.

Saindo desse ap pequeno começamos a procurar por algo que gostássemos mais e estivesse numa faixa de preço aceitável, cerca de 700 ou no máximo 800 euros, mas é muito difícil. Acontece que a cidade é muito baixa. Ainda há muitas casas por aqui e a grande maioria dos prédios é de quase um século atrás, tendo em média uns 4 andares. Isso faz com que a oferta de moradias em Berlim seja bem baixa, enquanto a demanda é muito alta. A consequência? Apartamentos são anunciados num dia e alugados no outro. Proprietários e imobiliárias sequer se preocupam em responder e-mails direito, ou em colocar fotos nos anúncios, porque sabem que mesmo assim vão conseguir alugar sem dificuldades. E aqui se aplica um princípio básico da economia: quando muita gente quer algo escasso, o preço vai nas alturas. O mercado imobiliário em Berlim é extremamente inflacionado. Conheço gente alugando um ap modesto de 2 quartos por 1.250 euros, por exemplo.

Quando cheguei aqui eu queria alugar algo na faixa de 600 euros, no máximo. Tomei um choque de realidade e aumentei esse limite para 700 euros. Depois 800. Depois 900. E só nessa faixa dos 900 que fui encontrar um apartamento para morar. Ele era todo espaçoso, tinha o quarto separado da sala e uma cozinha moderníssima, mas ficava dentro de um prédio bizarrão que dava medo de morar. Contei essa história com detalhes aqui.

Lá fiquei 4 meses, com tudo incluso nesses 900 euros do aluguel. Vale lembrar que aqui é padrão você ter que deixar o valor de 1 a 3 aluguéis como "depósito de segurança" (caução) com o proprietário ou agência. Quando entramos neste apartamento tivemos que pagar o primeiro mês adiantado e mais um caução de 900 euros, que foram devolvidos quando entregamos o ap sem danos ou prejuízos.

Saindo desse apartamento de 900 euros, encontramos outro por 910 euros e assinamos um contrato por 6 meses. O valor é quase o mesmo, mas o imóvel é bem maior - e fica num condomínio normal com pessoas comuns, o que aprendi na marra que sim, isso é uma grande vantagem. Como de costume, tivemos que deixar uma quantia (1.500 euros) de caução com a proprietária.

Lembrando que isso tudo eu aluguei dividindo com a minha esposa. Então no fim das contas um aluguel de 900 euros sai por 450 euros pra mim, o que na realidade de Berlim é um ótimo valor para viver com privacidade e uma boa dose de conforto.


Resumo da hospedagem em Berlim:
  • Quarto (preço camarada) = €300
  • Apartamento minúsculo = €560
  • Apartamento amplo com agência = €900
  • Apartamento amplo com proprietário = €910
Para alugar quarto em um apartamento compartilhado, eu planejaria um valor de 500~600 euros por mês. Para morar a dois sem ser tão longe das áreas mais centrais, consideraria 400 a 500 para cada um.

Quanto custa morar em Berlim - Hospedagem
A sala-cozinha do meu apartamento atual


Alimentação

Eu cozinho muito em casa, por isso meus gastos com alimentação são quase todos referentes a compras de supermercado. Saio para comer uma, no máximo duas vezes por semana. Quando saio, costumo gastar cerca de 6 a 9 euros por refeição. Tem restaurantes bem baratinhos que chegam a vender pratos gostosos na faixa dos 4~5 euros, mas a maioria sai de 6~9. Claro que estamos falando de comida, então sempre há os dois extremos: você também pode pagar facilmente 20 euros numa refeição se quiser.

No supermercado, que inclui feira, costumo gastar cerca de 100 euros por mês só para mim. Nunca fica muito acima nem muito abaixo disso. E olha que como muito bem, não só em quantidade como em qualidade. Aqui em Berlim é bem comum você consumir alimentos orgânicos, por exemplo, por preços quase idênticos aos preços dos não orgânicos. Também costumo comprar dumplings congelados (bolinho chinês), algas para sushi, muitos energéticos, sorvetes e outros produtos que não são dos mais baratos. Então pode acreditar que os 100zão já incluem certos excessos.

Deixa eu dar alguns exemplos reais para você ter uma ideia melhor dos preços médios de produtos em Berlim:

Comida

Pão de fatia simples (pacote) = €0,59
Pão de fatia com grãos (pacote) = €1,20
Batata/cenoura/cebola/banana (1 kg) = €1
Feijão (1 kg) = €2,40
Macarrão (500 g) = €0,75
Grão de bico (500 g) = €1,80
Castanha de caju ou amêndoas (200 g) = €2
Batata frita Lay's - tipo Ruffles (175 g) = €1
Barra de chocolate (125 g) = €1,20

Bebida

Leite de soja/aveia/arroz (1 L) = €1
Água (1,5 L) = €0,19
Energético (500 ml) = €1
Cerveja barata (500 ml) = €0,29
Cerveja boa (500 ml) = €1
Suco de caixinha orgânico (1 L) = €1,39

Higiene

Desodorante = €1,5
Papel higiênico (8 rolos) = €2,50
Shampoo = €2


Resumo da alimentação em Berlim:
  • Supermercado + feira = €100
  • Restaurantes = €6~9 por refeição, 20~40 por mês pra mim
Aqui em Berlim supermercados como Lidl, Aldi e Penny vendem produtos muito baratos. Principalmente se você se vira bem na cozinha, dá pra economizar muito com comida aqui.

Quanto custa morar em Berlim - Alimentação
Algo que amo em Berlim é encontrar restaurantes tailandeses, vietnamitas e chineses por todos os lados

Observação: Berlim para veganos

"Fucking paradise", como disse minha esposa uma vez.

Em Floripa as pessoas me perguntavam "VÊ O QUÊ?". Na cidade inteira tinha no máximo uns 5 lugares com boas opções veganas para comer. Entre os meus amigos, rolava preconceito por eu não comer produtos derivados de animais. Aqui é bem diferente. As pessoas têm familiaridade com o que a palavra vegano significa, sabem diferenciar de vegetariano e, principalmente, há muitos veganos e vegetarianos aqui. Isso faz com que as opções de lugares para comer comida assim sejam muitas. Mesmo lugares que não são 100% veganos costumam ter pratos veganos. Alguns marcam no cardápio quais são os pratos veganos (e quais são sem lactose, sem glúten, etc.). Muitos restaurantes também marcam cada prato com letrinhas que representam ingredientes que aquele prato tem (soja, peixe, leite, ovo, nozes, etc.). Isso é voltado principalmente para quem tem alergia, mas para quem não come derivados de animais é excelente também!

E não é só nos restaurantes. Nos supermercados você encontra sem tanto esforço (em supermercados normais), produtos como queijo, presunto, salsicha, hambúrguer, sorvete, picolé e até fake frango, tudo vegano. Aqui a certificação de produtos veganos é levada a sério e muitos produtos vem com uma etiqueta indicando bem claramente se ele é vegano ou vegetariano. Não estive em todos os lugares do mundo para poder afirmar com toda a certeza, mas pelos relatos que vejo de outros, Berlim parece ser a melhor cidade do planeta para veganos se alimentarem! :)

Berlim para veganos
Encontrar queijo vegano fácil e sem ser tão caro é <3

Transporte

O transporte público em Berlim funciona muito bem. Metrô, ônibus e trams (trem de superfície) são integrados, o que significa que comprando uma passagem você pode usar qualquer uma dessas coisas.

Os preços são todos tabelados, então para facilitar:

  • Passe simples = €2,80
  • Pacote com 4 passes simples = €9
  • Passe para trajeto curto = €1,70
  • Passe para um dia (ilimitado) = €7
  • Passe mensal (ilimitado) = €81

Eu pouco pego o transporte público, já que Berlim é coberta de ciclovias que funcionam. Não só a cidade é bastante plana, o que ajuda nas pedaladas, mas as ciclovias são integradas, estão em ótimo estado e todos, incluindo pedestres, motoristas e outros ciclistas, respeitam os ciclistas. Bom, quase todos, sempre aparecem uns babacas. A ciclovia é de graça, claro, mas uma bicicleta nova aqui custa os olhos da cara: uma comum sairia ao menos uns 250 euros. A minha usada em um estado decente custou 50 euros, mas estimo que entre consertos e acessórios já gastei mais uns 50 com ela. A patroa comprou uma bicicleta usada por 40 e outra por 60. Dá pra achar umas assim baratinhas, mas claro que nunca vêm perfeitas e costumam dar prejuízo na manutenção.

Quanto custa morar em Berlim - Transporte
Minha vermelhinha vai comigo pra onde quer que eu vá

Outra opção de transporte muito incrível aqui são os carros e motos compartilhados. As empresas espalham esses veículos pela cidade e você, tendo um cadastro com eles, basta chegar ao lado de um dos veículos, pagar/desbloquear o aluguel pelo aplicativo e feito: a porta abre ou a moto dá a partida. Fácil assim. E o melhor: é tudo barato. Um trajeto de até 30 minutos de scooter, sendo que você não precisa se preocupar em reabastecer ou em deixar ela em um lugar específico, custa meros 3 euros. Ou seja, ir dirigindo com a liberdade de fazer seu próprio trajeto sai praticamente o mesmo que o metrô. E mais: as scooters são elétricas então você ainda diminui o seu impacto ambiental. Há um serviço idêntico para carros que costuma sair por cerca de 10 euros por hora, sendo que os gastos com estacionamento e combustível já estão inclusos! Vale muito a pena e infelizmente não uso esse serviço por falta de carteira de motorista válida na Europa.

Motinho compartilhada. Foto: divulgação COUP.


Resumo do transporte em Berlim:
  • Comprar uma bike usada barata = ~€60
  • Usar transporte público uma vez = €2,90
  • Usar transporte público o mês inteiro = €81
Eu pessoalmente gastei apenas de 10 a 20 euros por mês com transporte público.


Bebidas

Bebida aqui é muito barato. Muito mesmo. Em quase qualquer supermercado dá pra encontrar cervejas baratas por 39 ou até 29 centavos a garrafa de 500 ml! Aí você pergunta: mas presta? Presta. Pra mim presta. Sinceramente acho até mais gostosas que Skol, Brahma ou qualquer outra cerveja aguada dessas feitas de milho transgênico. Inclusive, as cervejas alemãs precisam passar por um controle de qualidade que não permite esse tipo de anormalidade.

O preço é um problema, já que dá pra ficar bem bebum com 2 ou 3 euros. Se você quiser tomar cervejas boas (e boas digo muito boas mesmo: artesanais, de trigo, belgas, tchecas e etc.) vai pagar cerca de 90 centavos a 1,10 por garrafa de 500 ml. Mesmo bebendo breja boa, sai barato.

Em supermercados há vinhos de um euro pra cima. Eu costumo comprar um orgânico de €2,50 que é bem delícia. Por 6~7 euros já é possível comprar vinhos que no Brasil eu imagino que se equivaleriam a 70~80 reais. Sabe aqueles barris de cerveja pequenos que de vez em nunca seu amigo cervejeiro leva pras festinhas? Um barrilzinho desses de 5 L sai coisa de 5 euros para cervejas mais baratas, 10 euros o da Heineken.

Beber fora sai mais caro. Barzinhos baratos vendem cerveja e chopes a cerca de 2~2,50 cada garrafa ou copo. Nos barzinhos normais fica em torno de 3~3,50. Um drink custa de 5 a 10 euros.


Resumo de bebidas em Berlim:
  • Beber até cair em casa = €3 (29 centavos por breja)
  • Tomar umazinha no bar = €3

Meus gastos pessoais com bebida alcoólica têm saído cerca de 15~20 euros por mês. Considerando que eu tomo as cervas mais baratas em casa e quase nunca vou no bar, dá pra ter uma ideia de quanto eu andei bebendo. Até por isso acumulei uma pancinha pela primeira vez na vida e depois decidi cortar o álcool por um mês.

Custo de vida em Berlim - Bebidas
Quando tinha recém-chegado comecei a experimentar uma pá de cervas diferentes


Entretenimento

Eu sou do tipo que gosta de atrações gratuitas. Vou a pouquíssimos eventos pagos. De qualquer forma, vai abaixo os preços de algumas coisas que fiz.

  • Gorjetas naqueles 'Free' Walking Tours = €5
  • Jogo do Hertha Berlim (Campeonato Alemão) = €18
  • Subida na famosa Torre de TV = €13
  • Espetáculo de dança = €20
  • Tour de barco pela cidade = €12,50

Abaixo um vídeo com imagens que fiz no passeio de barco. Bem bacana ver Berlim por esse ângulo :)



Quanto custa morar em Berlim - média por mês

Hospedagem = €450
Alimentação = €130
Transporte = €20
Bebida = €20
Entretenimento = €20
Outros = €50

Quanto custa morar em Berlim por mês = €690

É caro? De novo, convertendo pra real fica bem carinho. Mas morando aqui, todos esses gastos, que incluem uma moradia bem confortável e comida/bebida liberada o mês inteiro, dá cerca de 46% do salário mínimo alemão. Comparando, é como se alguém fizesse uma análise igual a essa para morar em São Paulo e o gasto mensal médio fosse de apenas 431 reais.

Eu gastava de 1.000 a 1.700 reais por mês para viver em Floripa, com dois poréns: 1) eu morava de favor, então pagava contas e meus custos, mas não aluguel, o que aumentaria ainda mais o meu custo mensal; 2) Florianópolis ainda é uma cidade relativamente barata, então os custos certamente seriam maiores caso eu morasse em São Paulo ou no Rio.

Ou seja, meus custos em Floripa representavam de 110% a 180% do salário mínimo brasileiro.

Em outras palavras, o quanto custa morar em Berlim nem se compara ao custo de vida nas cidades grandes do Brasil levando em consideração a renda mínima e média dos cidadãos destes países. Aliás, fiz um vídeo examinando com detalhes essa diferença. Assista abaixo:





Atualização: IMPOSTOS! (e saúde)

Como esse post continua recebendo muitas visitas, me senti na obrigação de vir aqui tratar de um tema muito importante que foi por mim ignorado no momento da publicação: IMPOSTOS!

A carga tributária sobre o imposto de renda é pesada aqui na Alemanha. Rendimentos de até 9 mil euros por ano são isentos, mas a partir daí você pagará uma taxa que sobe progressivamente do mínimo de 14% até 45%.

E mais: ter um plano de saúde é obrigatório na Alemanha e não é barato. A base de cálculo para 2018 é de 15,5% da sua renda bruta. Ou seja: se você recebe 50 mil por ano pagará 7.750 só de plano de saúde (sendo que vários procedimentos e medicamentos não são cobertos). Dos 42.250 que lhe restarem, você poderá descontar alguns gastos e então pagará o imposto de renda, que nesta faixa de saldos é estimado em cerca de 10.000 euros (~23,7%). Em resumo, seu salário de 50 mil após as dívidas para com o governo e o sistema de saúde se transforma em apenas 32.250. Neste exemplo, 35,5% da sua renda foi pro ralo antes mesmo de você começar a pagar o aluguel, comprar seus alimentos, etc.

Há variáveis que te fazem pagar mais ou menos: você é casado ou não, tem filhos ou não, tem emprego formal ou é freelancer, etc. Mas o panorama em linhas gerais é como expliquei acima.

Eu acho pesado e venho sofrendo bastante com essa abocanhada do leão, até por isso fiz questão de voltar aqui para atualizar o post. Por outro lado, o alto imposto é o que proporciona uma qualidade de vida impressionante no país e uma sociedade com baixa desigualdade. Refleti bastante sobre isso nos últimos dias e acho que prefiro ter minha renda violada severamente pelo governo, mas viver num local igualitário e com qualidade de vida, do que pagar menos e sofrer as consequências na pele.


Interessado em ir para Berlim? Então acompanhe um pouco dos vídeos que gravei por lá! É só acessar a playlist no YouTube clicando aqui. ;)

Ah, e qualquer dúvida que você tiver sobre o custo de vida em Berlim ou sobre a cidade em geral, me avisa nos comentários! Muito obrigado por ler até aqui! ;)


Se me roubam, por que não posso roubar?

Adidas The Base
Onde as tretas acontecem

O jogo tava difícil, pegado. A verdade é que o outro time era bem melhor que a gente. Eles sabiam tocar a bola, criavam jogadas bem elaboradas. Nós éramos mais limitados, ficávamos na defensiva esperando uma chance de sair no contra-ataque. Abrimos 2-0, mas eles viraram para 2-4.

Era o time da firma jogando contra outra empresa. Aliás, se a sua empresa pensa em fazer networking com outras através de um campeonato de futebol, péssima ideia. Dá mais treta do que gera bons contatos.

O jogo tava se encaminhando pro final e o time ficou um pouco molenga, meio que desanimado sabendo que seria difícil virar o placar, sabe? Mas numa jogada individual conseguimos marcar o 4-3. Agora tínhamos chance de novo. Como a esperança muda o estado de espírito das pessoas! De repente estávamos de novo com o sangue fervendo, tirando energia de onde não tinha mais, correndo e gritando e tentando. Até que veio o lance fatídico.

Bola com os caras. Eu tô na defesa, perto da lateral-esquerda, marcando esse adversário. Ele controla a bola com a perna direita, partindo pra cima de mim, e dá um corte pra esquerda. Eu estico minha perna em vão. Não pego a bola. Meu pé vai direto na canela do coitado. Ele cai no chão e a bola fica com o nosso time.

Na hora eu levantei o braço e gritei pro juiz: "FOI FALTA". O juiz não ligou. Pedi desculpas pro cara, que meio que não quis saber, levantou e saiu reclamando. Na hora que olhei pra frente meu colega tinha acabado de chutar. A bola entrou no lugar mais delicioso do gol, no ângulo, e o jogo estava empatado. 4-4.

Eu normalmente berro pra caralho, grito, comemoro quando sai gol. Mas não consegui, fiquei me sentindo mal. Fiz uma falta claríssima em cima do cara, o juiz não deu mesmo comigo acusando a falta, e empatamos o jogo logo em seguida. Como o futebol é injusto, pqp.

O jogo seguiu. Roubei uma bola na ponta direita e cruzei pra um companheiro que tava livre no meio da área. Mas cruzei mal, em cima de um zagueiro que bloqueava o caminho. Dei sorte e a bola acabou passando no meio das pernas do zagueiro e sobrou com meu colega. O goleiro tentou sair pra cortar a bola, mas a redonda ficou com o cara do meu time, que agora tinha o gol aberto, a bola nos pés e a chance de virar o jogo pra gente.

Mas como o mundo dá voltas, ele sem goleiro e quase embaixo do travessão conseguiu o feito de chutar pra fora. E o juiz apitou o fim do jogo na hora. Tivemos a chance de ganhar no último segundo da partida, mas o destino deu uma consertada na cagad* que tinha feito antes e a bola não foi pras redes.

No final do jogo sentamos na arquibancada exaustos, tomando água e tal, quando um outro cara do meu time me fala: "Pedro, não fala nada cara!"

Nessa foto em Ultra HD dá pra me ver de calção vermelho ali na marca do escanteio

Respondi: "Cara, cada um cada um. Eu gosto de jogar limpo, só isso."

Ele: "Sim, entendo, mas se o juiz não apitou, não fala nada!"

Eu: "Mas foi uma falta clara cara. Eu chutei a canela do maluco. O nosso gol não deveria ter contado, foi falta minha."

Ele: "Sim, mas teve outro jogo em que nós perdemos porque o juiz errou também".

Esse argumento mexeu comigo.

Respondi: "Sim cara, mas se fôssemos todos pensar assim nunca ninguém faria um ato de boa fé no futebol. Nunca teríamos um Miroslav Klose, que várias vezes na carreira pediu para o juiz anular gols depois de ter marcado em impedimento, ou com a mão."

Ele: "É...."

Ele não falou mais nada, sabia que eu tava certo. No calor do momento as pessoas tentam ganhar vantagem de qualquer jeito (e olha que ele nem era brasileiro!). Mas analisando racionalmente, alguns desses argumentos são tão rasos e falhos que simplesmente não há o que discutir.


Um dos lances de fair play do Klose na carreira:


Eu poderia ter ido mais fundo na discussão. Poderia ter dito que esse argumento do "me roubaram, então posso roubar" é perigoso, porque pode justificar todo tipo de coisa ruim nesse mundo. Se os políticos corruptos roubam nosso dinheiro todo dia, por que não posso sonegar impostos? Se fui mal tratado pelo garçom num bar, por que não posso sair sem pagar, ou tratar ele mal também? Se um dia um carro passou na poça e me molhou na rua, por que tenho que tomar cuidado em não passar na poça perto de pedestres? Em geral, se me prejudicaram, por que não posso prejudicar os outros?

E assim seguimos, um fazendo merd* porque o outro já fez, e ninguém se sente tentado a fazer o bem, fazer o que é o mais correto.

É apenas um entre tantos argumentos ridículos e falhos que usamos ou ouvimos no nosso dia-a-dia. Como aquele de quem joga papel de bala ou bituca de cigarro na rua: "um só não vai fazer diferença". E 1+1+1+1+1.....? E se todos pensassem assim, como estariam as ruas? E as falácias argumentativas são inúmeras:

  • Quando alguém pega um caso isolado para justificar o todo. Exemplo: uma loja com 99% de avaliações positivas não ser confiável porque um amigo de um amigo não recebeu o produto que comprou.
  • Quando A gera B então A vai sempre gerar B. Exemplo: jogando na defensiva conseguimos bons resultados, então jogar na defensiva é sempre a melhor estratégia.
  • Quando alguém usa uma afirmação irrelevante para defender um ponto de vista. Exemplo: fulano nunca faria isso, ele parece uma boa pessoa tão boa.

E por aí vai.

Me parece que quando é para defender o seu, as pessoas usam as maiores falácias argumentativas que conhecem, deixando a racionalidade de lado. Se eu fui prejudicado, posso prejudicar o outro. Mas se meu vizinho usa o mesmo argumento, ele é um filho da puta, safado, sem vergonha. Se jogo minha bituquinha de cigarro no chão é só uma e não vai fazer diferença, mas se alguém joga lixo no meu quintal é porco e mal-educado.

Claro que em diversas situações fica difícil agir de forma mais bem pensada. Na mesma pelada desse dilema moral, tive uma discussão com um colega de equipe e fui grosso com ele. Depois pedi desculpas, mas no calor do momento não tomei a melhor decisão que poderia tomar. É normal, é humano. Mas creio que devemos fazer um esforço consciente para tirar essas laranjas podres da nossa mente. Espero que na próxima discussão que eu tiver em uma pelada, minha mente lembre rapidamente dessa discussão e trate qualquer outra treta com mais calma. Espero que o meu colega do "me roubaram, posso roubar" lembre da nossa conversa e tenha uma postura mais justa nas próximas peladas, mesmo se o adversário não fizer o mesmo.

E na dúvida, sempre uso uma frase que ouvi não sei de quem, não sei onde, mas que busco utilizar toda vez que me vejo sem saber o que fazer.

Na dúvida, faça o que é certo.

E o que é certo muitas vezes nós sabemos, só não fazemos.


O blog anda pra lá de abandonado. Eu poderia dizer que tô sem tempo, o que é verdade, mas atitudes demonstram prioridades e na real eu andei priorizando outros projetos na frente do doisbits. De qualquer forma, você que leu até aqui: por favor deixa um comentário pra me dizer o que achou desse dilema. Escrever sem trocar ideia com quem lê não tem graça!


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